As histórias de Henri e de Francisca cruzam-se apesar da discrepância de idades. A pequena Francisca tem dois anos e o Henri já conta com dezassete. Ambos têm algo em comum: são portadores de trissomia 21 e vivem no seio de famílias que aprenderam a lidar com a diferença, enfrentando barreiras e as dificuldades que esta limitação ainda impõe à sociedade.
O mongolismo, mais tarde conhecido como síndrome de Down, foi descrito, pela primeira vez, na Grã-Bretanha, no séc. XIX, pelo médico inglês John Landgdon Down, com base em algumas características observadas em crianças internadas num asilo de Inglaterra.
“Na segunda metade do séc. XX, J. Lejeune e colaboradores descobrem que o mongolismo resultava da presença de um cromossoma 21 supra-numerário (três cromossomas, em vez dos dois habituais), pelo que esta doença genética passou a designar-se, correctamente, por trissomia 21 (literalmente, três cromossomas 21)”, explica o Dr. Miguel Palha, pediatra do desenvolvimento e Director Clínico do Centro de Desenvolvimento Infantil Diferenças. Todos nós temos, no nosso ADN, 46 cromossomas, ou seja 23 pares. O trissómico não tem 46 cromossomas mas sim 47, localizando-se esse cromossoma extra, no par 21.
O risco de nascimento de uma criança com trissomia 21 aumenta com a idade da mãe. “Para as mães com idade superior a 35 anos, a probabilidade de se ter um filho com esta deficiência é significativamente mais elevada”, afirma Miguel Palha.
Características físicas e psíquicas
As pessoas com trissomia 21 têm uma incidência muito elevada de anomalias associadas. “O aspecto exterior (fenotipo) é muito característico: cabeça pequena, fendas palpebrais orientadas para fora e para cima (como nos povos orientais), orelhas pequenas e de implantação baixa, língua exposta fora da boca, pescoço curto e largo, mãos e pés pequenos e quadrados, baixa estatura, entre outros”, descreve Miguel Palha. Podem ainda verificar-se algumas perturbações na fala, decorrentes de uma macroglossia (língua grande) e de uma cavidade oral pequena. “Adicionalmente, a macroglossia relativa é um dos mais significativos e um dos mais evidentes estigmas físicos da trissomia 21”, acrescenta o especialista.
Estas são algumas das diferenças entre os portadores desta patologia e os outros. Quase todas as crianças com trissomia 21 apresentam ainda um défice cognitivo, “embora em dimensões muito variáveis. De um modo geral, é ligeiro a moderado”. No entanto, estas crianças podem ter uma vida normal e “alcançar bons níveis de autonomia pessoal e social”. São também muito meigas, alegres e “com grande capacidade para as trocas sociais”, acrescenta Miguel Palha.
Para que isto aconteça, os seus pais devem procurar associações que apoiem os portadores de trissomia 21. É o caso do Centro de Desenvolvimento Infantil “Diferenças”, com sede em Lisboa, e da Associação para portadores de trissomia 21 (Apatris 21), localizada no Algarve. Ambas as instituições desempenham um trabalho de extrema importância nesta área.
“Aqui, no Diferenças, as crianças têm um plano médico e um plano educativo. Vão uma vez por ano ao médico e têm uma rotina estabelecida, onde são avaliados os problemas de oftalmologia, de cardiologia, entre outros”, explica a Dra. Susana Martins, terapeuta ocupacional. No plano educativo, as crianças frequentam sessões de educação especial ou terapia da fala. “Os pais devem estar presentes em alguns destes encontros. A ideia é explicarmos o que estamos a fazer para que continuem o trabalho em casa.”
O desenvolvimento de uma criança com trissomia 21 é mais lento. No entanto, ela vai desenvolver e realizar todas as suas capacidades e actividades, mas comparativamente com as outras crianças, sempre um pouco mais tarde e mais lentamente. Por esse motivo, os pais de algumas destas crianças ficam surpreendidos com a sua evolução. “À partida, conseguem fazer um processo de aprendizagem adequado, se for muito bem treinado”, acrescenta Susana Martins.
Aprender a aceitar a diferença
“Os pais vão ser confrontados, de forma progressiva, com inúmeros obstáculos, o principal dos quais está relacionado com a exclusão social, muitas vezes veiculada e amplificada pelos hospitais, pelos centros de saúde, pelas escolas, pelas associações desportivas, pelas associações culturais e por outras instituições da comunidade”, afirma Miguel Palha. A única solução para este problema passa por conhecer melhor a trissomia 21 e aprender a lidar com a diferença.
“Os cidadãos com deficiência, independentemente das suas capacidades e competências, devem ser compreendidos, aceites e integrados na família, na rua, no bairro, na escola, no emprego, na associação recreativa ou desportiva e, de um modo geral, em toda a comunidade”, defende o pediatra.
Numa primeira fase, os pais sentem-se perdidos. “É sempre complicado receber uma notícia, que não vai de encontro às expectativas de pais e familiares. Por muito que se fale, ou que se saiba, não se está preparado quando é connosco”, diz-nos Cátia Fernandes, psicóloga educacional da Apatris 21.
No entanto, há excepções à regra. É o caso de Francisca Prieto, mãe de Francisca, que teve de enfrentar alguma discriminação no decorrer da sua gravidez. Determinada em ter a sua filha, nunca desistiu. “Quer para mim, quer para o meu marido, era perfeitamente evidente que iríamos ter este filho”, afirma. “Para mim, ter a Francisca era algo perfeitamente assumido, embora respeitasse as mães que tomavam outro tipo de opções. Senti uma pressão enorme para interromper a gravidez, por parte de amigos, familiares, classe clínica em geral, e das maneiras mais extraordinárias”, confessa.
Os especialistas recomendam aos pais uma melhor compreensão da trissomia 21, enquanto “um acidente genético que ainda não é controlável nem evitado”, adianta Cátia Fernandes. A melhor forma para começar a enfrentar a trissomia 21 é “procurar logo acompanhamento, que não deve ser negado nem negligenciado”.
Toda e qualquer criança que necessite de necessidades educativas especiais deverá, a partir dos 15 dias de idade, beneficiar de intervenção precoce por uma equipa especializada, que trabalhará com a criança. “Esse trabalho passará por técnicos como: psicólogos, médicos, terapeutas da fala e terapeutas ocupacionais”, refere a psicóloga educacional da Apatris 21.
Na ajuda ao desenvolvimento global do trissómico, todas as actividades e ofertas de estímulo são fundamentais, como por exemplo, a piscina e os cavalos.
Fonte: Jornal do Centro de Saúde