Tuesday, November 11, 2008

INVESTIGAÇÃO E TRATAMENTO DA HEMOFILIA



Dra. Alice Tavares


A palavra hemofilia tem origem em duas palavras gregas: haima e philein, que significam respectivamente, sangue e amar. Embora o termo não pareça adequado para designar uma doença que se caracteriza por hemorragias incontroláveis, foi esta a designação que perdurou.





A hemofilia é uma doença hereditária de transmissão recessiva, com uma incidência de cerca de um em cada 10.000 nascimentos. A doença é causada por mutações no gene do FVIII ou do FIX que estão localizados no cromossoma X, que faz parte do par de cromossomas sexuais (XY nos homens e XX nas mulheres). Como as mulheres possuem dois cromossomas X, embora possam transmitir a mutação aos seus descendentes, não têm, habitualmente, qualquer sintomatologia (o cromossoma X saudável compensa a deficiência do cromossoma portador da deficiência) no entanto cerca de um terço dos casos são devidos a mutações de novo, não havendo outros casos de doença na família.




Clinicamente a doença caracteriza-se, principalmente nos casos graves, pelo aparecimento frequente de hemorragias, habitualmente sem traumatismo prévio conhecido. Frequentemente, estas ocorrem dentro das articulações (habitualmente nos tornozelos, joelhos e cotovelos) e se repetidas, dão origem à artropatia hemofílica causadora de grandes deformidades físicas e dificuldades funcionais.




A gravidade da hemofilia é classificada de acordo com o nível de factor que o indivíduo possui. (Grave <> 5 %).



Embora se pense que a hemofilia terá existido desde sempre, e já fosse descrita como doença hereditária no século IV no Talmude, o conhecimento e investigação da hemofilia só tem inicio em finais do século XIX: Em 1893 Wright descobre que o tempo de coagulação do sangue destes doentes estava aumentado e posteriormente Addis, Minot e Lee verificaram que esta deficiência se corrigia com a junção de sangue de pessoas saudáveis.




O posterior desenvolvimento da transfusão sanguínea veio permitir a utilização do sangue no tratamento das hemorragias, mas apesar de resultados positivos, esta terapêutica não era totalmente eficaz, pois não era possível administrar o volume de sangue necessário para controlar as hemorragias mais graves. Com a possibilidade de separar o sangue nos seus componentes e principalmente com a produção de derivados sanguíneos liofilizados, foi finalmente possível o controlo efectivo das hemorragias com melhoria significativa da qualidade de vida dos doentes.




No entanto, foi com a percepção de que estes derivados podiam estar contaminados com vírus, como a Hepatite e mais tarde a Sida que se deu o Boom da investigação nesta área, de que resultou o desenvolvimento de processos efectivos de remoção e inactivação viral. (afastando o espectro da transmissão destas doenças através do tratamento com derivados do plasma humano) A clonagem do gene do FVIII em 1984 e a produção do factor em culturas de células de mamíferos constituem marcos milenares na evolução do tratamento da hemofilia. Estes avanços abriram caminho para a produção industrial de concentrados de factores coagulantes, sem recurso ao sangue humano, e permitiram antever a possibilidade da terapia genica.




O inicio da utilização de concentrados recombinantes data de 1987. Desde então, novos produtos têm sido introduzidos no mercado dispondo-se actualmente de concentrados de 3ª geração que são isentos de qualquer proteína de origem humana ou animal.




Em suma, a disponibilidade de produtos eficazes e seguros, tornou possível o tratamento domiciliário. (permitindo o controlo atempado das hemorragias e a profilaxia primária, que se iniciada precocemente, impede o desenvolvimento da artropatia hemofílica.) Contudo muitas crianças não têm acessos venosos que permitam as 2 ou 3 administrações semanais necessárias para que o nível de factor se mantenha sempre superior a 1%, aguardando-se com expectativa, a introdução no mercado de produtos com maior semi-vida que permitam obter o mesmo efeito terapêutico com menor número de infusões.




O desenvolvimento de anticorpos neutralizantes do FVIII ou FIX, que se desenvolvem em 15 a 20 % dos doentes é, actualmente, a mais grave complicação da terapêutica, que nem a terapia genica, ainda distante, promete resolver.




O progresso científico e a melhoria dos cuidados de saúde, transformou a vida destes doentes que com o tratamento adequado podem aspirar a uma vida activa e plenamente realizada, com acesso ao ensino e ao trabalho. Infelizmente a nível mundial só 25 % dos doentes beneficiam deste progresso.








Dra. Alice Tavares,
responsável do Centro Coagulopatias Congénitas,
Serviço de Imuno-Hemoterapia do Hospital de Santa Maria






Fonte: Saúde em Revista

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