Wednesday, November 19, 2008

INFECÇÃO VIH/SIDA. AS CLIVAGENS DE UMA PANDEMIA



Dr. Kamal Mansinho


A Síndroma de Imunodeficiência Adquirida (SIDA) é, sem dúvida, a mais grave das doenças víricas infecciosas emergentes, que rapidamente se propagou por todos os continentes.





Desde a descoberta do Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH), em 1981, este vírus já infectou, aproximadamente 60 milhões de pessoas no mundo, das quais 25 milhões já faleceram. Durante o ano de 2007, registaram-se 2,5 milhões de novas infecções, das quais 1,7 milhões (68%) ocorreram na África sub-Saariana. Foram, igualmente, registados aumentos importantes na Europa Oriental e Ásia Central, havendo indicações que as taxas de infecção terão aumentado em mais de 50%, desde 2004.




A epidemia da SIDA está a aumentar de forma impressionante o número de órfãos, particularmente, nos países com elevada prevalência. Em todo o mundo, mais de 15 milhões de crianças perderam um ou ambos os progenitores por doença associada à SIDA. Estima-se que em 2010 este número poderá atingir 40 milhões, ultrapassando a capacidade de resposta das redes sociais e dos padrões tradicionais de dependência intergeracional e criando uma geração de pessoas sem acesso à educação, não socializadas e, muitas vezes, desprovidas de qualquer tipo de assistência.




Além da enorme tragédia humana que esta doença representa, os custos económicos, sociais e emocionais desta pandemia são preocupantes e constituem uma grave ameaça para o crescimento e estabilidade económica de todos os países e, muito particularmente, para os países em vias de desenvolvimento.




Nos países com fracos recursos, a SIDA continua a matar pessoas no auge das suas vidas produtiva e familiar, tendo efeitos gravíssimos sobre o quotidiano e os meios de subsistência das famílias afectadas. Mesmo quando os medicamentos ou os preservativos são fornecidos gratuitamente, as famílias mais pobres podem não ter recursos para garantir as suas necessidades nutricionais mais básicas ou para pagar os cus-tos de deslocação para os estabelecimentos de assistência.




O facto de muitas pessoas com infecção VIH/SIDA viverem em países pobres, levou muitos investigadores a definir esta doença como uma doença da pobreza. No entanto, esta afecção não está confinada aos países mais pobres, corroborando a ideia de que as relações entre pobreza e infecção VIH/SIDA não são simples nem directas e que variáveis mais complexas para além da pobreza, no sentido estrito, contribuem para a dinâmica de propagação desta epidemia em todo o mundo.




Há dados que sugerem que, em alguns países, a riqueza também se correlaciona com a susceptibilidade à infecção VIH/SIDA.




Em África, a prevalência da infecção VIH revelou uma correlação positiva com o rendimento nacional, constatando--se, por exemplo, em alguns dos países mais ricos como a África do Sul, Botswana ou Angola, uma intensa propagação desta epidemia na comunidade.




Em pleno século XXI, não podemos deixar de nos confrontar com a amarga realidade de que apenas 10% da população mundial infectada, ou com SIDA, tem acesso aos progressos terapêuticos até agora alcançados. De um lado tem estado o mundo ocidental, rico, capaz de fazer face aos avultados custos do tratamento e do acompanhamento dos doentes infectados por VIH, do outro os países em vias de desenvolvimento, onde se concentram cerca de 90% da população infectada do mundo, privados dos recursos mais elementares para a assistência e tratamento desta doença.



Nesta era da globalização, nunca a questão da solidariedade tanto nacional como internacional, se tornou tão crítica, remetendo-nos para a urgente necessidade de investigar soluções eficazes e menos onerosas para o controlo da pandemia da SIDA de modo a abranger todos os países e, em cada país, todos os estratos sociais.




É neste contexto de precariedade social e económica e de debilidade das infraestruturas sanitárias que se assiste à expansão do acesso aos medicamentos para o tratamento de doentes com infecção por VIH/SIDA nos países com fracos recursos.




A crença generalizada que os doentes são os únicos responsáveis pelo cumprimento dos seus tratamentos é enganadora e, a maior parte das vezes, reflecte o desconhecimento de como outros factores exercem influência sobre o comportamento das pessoas e a capacidade para aderir a um conjunto de recomendações.




A adesão a um projecto de assistência aos doentes infectados por VIH/SIDA é um fenómeno com múltiplas dimensões e depende da interacção de múltiplos factores, que deverão ser avaliados de forma sistematizada pelas equipas de acompanhamento, entre os quais, factores sociais e económicos, factores relacionados com a equipa que presta assistência e com o sistema de saúde, factores relacionados com a doença, factores relacionados com o tratamento e factores relacionados com o doente.




Os benefícios conseguidos com as actuais combinações de medicamentos, prescritos para o tratamento da infecção por VIH, estão a criar nas pessoas a ilusão de eficácia terapêutica ilimitada, senão mesmo de cura da doença, favorecendo o desenvolvimento de comportamentos pouco seguros, os quais facilitam o aparecimento de novas infecções e a emergência de variantes de VIH resistentes aos tratamentos disponíveis.




A minimização das trágicas consequências da epidemia da SIDA passará por uma vontade política forte das nações, por uma atitude concertada e racional das organizações governamentais e não governamentais e por um empenhamento cada vez maior da sociedade civil no combate desta doença que alguém chamou de "peste do século XXI".








Dr. Kamal Mansinho,
Centro Hospitalar Lisboa Ocidental, EPE
Hospital de Egas Moniz Instituto de Higiene e Medicina Tropical
Universidade Nova de Lisboa







Fonte: Saúde em Revista

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