Thursday, November 6, 2008

HEPATITE C



Dr. Jorge Areias


«Não estou doente, estou cansado! Não é difícil de compreender! -mesmo assim vai ao médico, ele examinar-te-á e seguramente te dará alguns conselhos até às férias...» Dez vezes, cem vezes, tínhamos tido a mesma discussão.





A importância da hepatite C resulta da elevada probabilidade do indivíduo infectado evoluir para a cronicidade, da sua associação com a cirrose e com o cancro do fígado (carcinoma hepatocelular), das terapêuticas que embora eficazes ainda não o são a 100%, e de não existir ainda uma vacina.




Os trabalhos mais recentes indicam que 20-30% dos doentes com hepatite crónica C vão desenvolver cirrose hepática, e que destes 20 a 30% vão progredir para o carcinoma hepato-celular ou para a insuficiência hepática que pode requerer a realização de transplante hepático.




Em Portugal, os dados disponíveis apontam para uma prevalência do anticorpo anti vírus da hepatite C (Ac anti-VHC) de 1,5%, ou seja, em Portugal existem cerca de 150 000 pessoas cronicamente infectadas com este vírus. As pessoas infectadas são na sua grande maioria assintomáticas, e servem de reservatório de transmissão a outras pessoas, e estão em risco de desenvolver doença hepática crónica como a cirrose durante as primeiras duas ou mais décadas depois da infecção inicial.




O vírus da hepatite C foi descoberto no final dos anos 80. Era melhor falar dos vírus da hepatite C, uma vez que se conhecem várias estirpes (ou genótipos), cada uma podendo
ser sudividida em vários subtipos identificados por uma letra. Em Portugal o genótipo mais frequente é o 1b.




Qualquer que seja o seu genótipo, o vírus da hepatite C (VHC) transmite-se essencialmente através do sangue, sendo, em Portugal, o seu reservatório mais importante encontrado entre os toxicómanos intravenosos. Este aspecto faz com que a hepatite C constitua um problema importante de Saúde Pública. As transfusões já não são perigosas, e o risco de transmissão do VHC por esta via, como de outros vírus, é praticamente nulo. Os derivados do sangue já não transmitem este vírus porque o modo como são produzidos elimina todos os riscos.




Os alimentos, a água, a saliva e o suor não transmitem este vírus, assim como não é possível apanhá-lo em sanitários públicos. Os indivíduos que contactam com um doente com hepatite C não necessitam de precauções em especial. Contudo, deve-se evitar partilhar objectos susceptíveis de terem contactado com sangue (lâmina de barbear, escova de dentes). Globalmente, o risco de contaminação por via sexual é baixo, assim como é baixo o risco de transmissão mãe-filho e a transmissão pela amamentação. Estes tópicos devem ser discutidos com o casal, e no caso de um membro do casal estar infectado, não devemos desencorajar que a esposa engravide, podendo mais tarde amamentar o seu filho.




O diagnóstico das hepatites baseia-se nos chamados marcadores víricos, os quais são muito fiáveis. A maior parte dos vírus da hepatite não atacam senão o fígado.




O tratamento actual consiste na administração de interferão peguilado, 1 injecção semanal administrada por via subcutânea, e de ribavirina, em comprimidos, diariamente. A duração do tratamento depende do genótipo, sendo de 1 ano no caso de genótipo 1, e de 6 meses no caso dos genótipos 2 e 3. Os objectivos do tramento são dois: negativar o vírus, que deixa de ser detectado no sangue, e normalizar o funcionamento do fígado; deste modo, anula-se o risco de evolução para cirrose, bem como o risco de aparecimento de carcinoma. Este tratamento implica, de maneira geral, alguns efeitos laterais, que regra geral são bem controlados com a administração de paracetamol. Este tratamento é muito caro, e representa um grande encargo para o Estado.




É fundamental que o tratamento seja realizado regularmente sem qualquer tipo de esquecimento quer da injecção semanal quer dos comprimidos tomados diariamente, pois sabe-se hoje que a falta de aderência ao tratamento é uma causa importante da sua ineficácia.




Quando o tratamento falha, e se o doente tem cirrose ou carcinoma hepatocelular, havendo perigo de morte, resta a transplantação hepática, cujos resultados hoje em dia são muito bons. A transplantação visa aumentar a sobrevida do doente e melhorar a sua qualidade de vida, tornando alguém incapaz de trabalhar num ser humano produtivo e trabalhador.








Dr. Jorge Areias,
Chefe de Serviço e Director do Serviço de Gastrenterologia do Centro Hospitalar do Porto, EPE (Unidade Hospital Geral de Santo António), Porto.
Professor Catedrático do Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar, Universidade do Porto








Fonte: Saúde em Revista

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