Prof. Doutor Jaime C. Branco
A fibromialgia (FM) é uma entidade clínica cuja manifestação principal e mais frequente é a dor musculo-esquelética generalizada. Esta dor, que os doentes fibromiálgicos referem "no corpo todo", não é articular nem óssea mas localiza-se nos tecidos moles do aparelho locomotor (isto é, músculos, tendões, ligamentos, fáscias).
Apesar da dor lhes ser referida, nestes tecidos, nomeadamente nos músculos, não foram, até hoje, identificadas quaisquer alterações, quer morfológicas quer metabólicas, que possam ser responsabilizadas pelas queixas dolorosas.
A origem da dor da FM permanece, ainda hoje, incompletamente esclarecida mas sabemos que para o seu aparecimento e manutenção concorrem mecanismos diversos (por ex. sensibilização/excitabilidade dos receptores dolorosos periféricos, factores genéticos, condição psicológica, eixos neuroendócrinos, modulação/reverberação cerebral) que contribuem, em momentos diferidos e percentagens variáveis, conforme os casos.
Isto quer dizer que: 1) Não tem FM, quem quer mas sim quem tem predisposição prévia e se "cruza" com um ou mais factores desencadeantes capazes de despoletar o processo patogénico (por ex. agressão física – infecção, traumatismo, cirurgia – ou psíquica) e, 2) Existem muitas formas, e não apenas uma, para iniciar e desenvolver FM, mas dos seus mecanismos muito heterogénios resulta sempre um quadro clínico bastante homogéneo.
Doença ataca sobretudo mulheres
A FM atinge sobretudo mulheres (na proporção de nove mulheres para um homem) e, embora possa começar na juventude ou na terceira idade, costuma iniciar-se na terceira ou quarta décadas da vida. A prevalência (isto é, a percentagem da população que afecta) está calculada entre os 2% e os 4% para a população adulta.
Como os homens são apenas residualmente atingidos, estes valores significam que entre 4% a 8% das mulheres adultas poderá padecer desta situação clínica.
Sintomas da fibromialgia
O quadro clínico da FM, além das dores musculares persistentes, politópicas e com intensidade variável no tempo, inclui ainda outras queixas:
- Fadiga, que pode ser muito intensa (isto é, exaustão) e que chega a ser verdadeiramente incapacitante (ao contrário do cansaço vulgar esta fadiga não melhora com o repouso);
- Perturbações do sono, quer quantitativas (isto é, os doentes dizem que dormem pouco, acordam facilmente, têm insónias, etc.), quer qualitativas o que significa que o sono não é reparador (isto é, os doentes referem que acordam mais fatigados do que se deitaram na noite anterior);
- Alterações emocionais, como depressão e/ou ansiedade que são mais frequentes em doentes com FM do que em doentes com outras doenças reumáticas e são também mais frequentes nos familiares mais próximos daqueles do que destes;
- Deficiências cognitivas, traduzidas sobretudo por dificuldades da concentração, redução da memória e déficite de atenção;
- Dores com outra localização, como cefaleias e dores abdominais;
- Outros sintomas variados que se associam, de forma inconstante, intermitente ou continuadamente como por exemplo, colón irritável, adormecimento e/ou formigueiros dos membros, intolerâncias diversas (por ex. ruído/som, odores, luz).
Uma das "imagens de marca" da FM é a dissociação entre as queixas referidas pelos doentes (isto é, os sintomas) que são como se vê em grande número e muito variáveis, e os achados do exame objectivo realizado pelo médico (isto é, os sinais) que são praticamente inexistentes. Com efeito, além dos 18 pontos dolorosos à palpação (isto é, pressão digital) localizados em áreas precisas não se "encontra" mais nada.
Para se diagnosticar FM é necessária a existência de uma dor corporal generalizada (isto é, abaixo e acima da cintura e nas metades esquerda e direita do corpo) com mais de três meses (isto é, evolução crónica) de duração, e dos outros sintomas típicos já descritos.
O Colégio Americano de Reumatologia definiu, em 1990, os critérios da classificação da FM que incluem, além da referida dor generalizada, a existência de pelo menos 11 dos 18 pontos dolorosos de que falámos. Estes critérios têm sido, à falta de melhor, utilizados para o diagnóstico da FM.
No entanto, eles não são bem adaptados para esta função diagnóstica, nomeadamente no que se refere à existência dos pontos dolorosos, actualmente considerados muito pouco úteis para o diagnóstico pela maioria dos investigadores e clínicos que se dedicam ao estudo da FM e à assistência aos doentes que dela sofrem.
Prof. Doutor Jaime C. Branco
Presidente da Liga Portuguesa Contra as Doenças Reumáticas
Fonte: Jornal do Centro de Saúde