Quando conhecemos uma criança ou um jovem portador de uma doença genética ficamos habitualmente com a sensação de que a ocorrência de erros nos genes é uma fatalidade irreversível do destino.
Na verdade, os nossos genes estão sujeitos a uma multiplicidade de alterações das quais só uma ínfima minoria provoca, de forma inevitável, uma doença grave. Por outras palavras, são muito, muito raros os casos em que os genes conseguem roubar a nossa liberdade de ser saudável.
Somos geneticamente diferentes
O texto da vida humana escreve-se com 6.000.000.000 letras, o que equivaleria a cerca de um milhão e quinhentas mil páginas impressas.
Em cada célula do corpo humano esta "obra-prima" está dividida em 46 volumes, cada um composto por uma longa molécula de ADN denominada cromossoma. Os 46 cromossomas organizam-se aos pares: existem 22 pares de cromossomas autossómicos e um par de cromossomas sexuais.
Cada vez que uma célula do corpo humano se divide, as palavras e frases que compõem o livro da vida são escrupulosamente copiadas de forma a evitar erros. No entanto, estes poderão ocorrer esporadicamente, tornando a célula que o recebeu diferente das restantes. No caso desta célula ser um óvulo ou um espermatozóide, a alteração genética poderá ser transmitida a um filho ou filha do indivíduo.
Certos erros, denominados mutações patogénicas, alteram o significado das frases (isto é, dos genes) e causam doenças. No entanto, a maioria dos erros é inofensiva, provocando apenas variabilidade na ortografia, sem deturpar o sentido das frases. Se abrirmos o livro da vida ao acaso e compararmos a mesma página de texto em dois indivíduos saudáveis, oriundos de famílias distintas, encontramos, em média, uma diferença em cada conjunto de 300 letras.
A grande maioria destas diferenças não condiciona em nada a saúde e pode ser usada como uma "impressão digital de DNA " para identificar indivíduos a partir de vestígios (tais como sangue ou cabelos) encontrados em situações de crimes ou grandes desastres.
Como se notam as diferenças
Quando tomamos um determinado medicamento estamos à espera que este seja eficaz e que não provoque efeitos adversos. Mas quantas vezes isto não acontece? São muitos os medicamentos que provocam efeitos variáveis quando tomados por diferentes indivíduos e hoje sabemos que uma das causas desta variabilidade se encontra nos nossos genes.
Tal como as feições da cara, as "feições" de alguns genes variam de indivíduo para indivíduo. Em certas pessoas os genes são hiperactivos enquanto noutras os genes são mais "preguiçosos". Por exemplo, a actividade do gene CYP2D6 é muito importante para o efeito de medicamentos antidepressivos. Uma pessoa com o gene CYP2D6 hiperactivo tem de tomar uma dose mais alta do medicamento para obter o efeito desejado. Ao contrário, uma pessoa com o gene CYP2D6 "preguiçoso" deve tomar uma dose menor do medicamento, por forma a evitar efeitos secundários.
Estima-se que cerca de 10% da população portuguesa é portadora do gene CYP2D6 "preguiçoso". Ao tomarem a dose "normal" de um antidepressivo estas pessoas correm graves riscos de intoxicação.
A descodificação do genoma humano deu origem ao desenvolvimento de uma nova ciência: a Farmacogenética.
Este novo ramo do saber promete personalizar a prescrição de medicamentos, de forma a administrar a dose certa do fármaco mais correcto no melhor momento.
Factores de risco
Todos ouvimos falar de cientistas que descobrem novos genes associados a doenças. De facto, actualmente dispomos de um vasto conhecimento sobre um grande número de genes humanos e sabemos cada vez melhor como certas diferenças na ortografia normal de um gene podem aumentar o risco para doenças como, por exemplo, a diabetes, o cancro do pulmão, o aneurisma cerebral ou a doença de Alzheimer.
Importa, no entanto, salientar que se uma pessoa é portadora de uma destas variantes de risco, isto não significa que vá ter a doença. Tudo depende do acaso, da sorte (ou falta dela...) e sobretudo, do estilo de vida. Por exemplo, fumar constitui um factor de risco para o cancro do pulmão muito maior do que o risco genético.
Torna-se, assim, questionável o benefício que uma pessoa saudável pode tirar de um teste genético para despiste de factores de risco.
As diferenças podem ser protectoras
Cerca de um por cento da população Europeia só muito raramente é infectada pelo vírus da SI DA e 10-14% desenvolve infecções menos graves que o normal. Estas pessoas são menos susceptíveis à infecção porque possuem uma forma variante do gene CCR 5. A forma normal deste gene codifica uma proteína essencial para o vírus reconhecer e entrar nas células humanas. A forma variante torna a proteína irreconhecível pela maioria dos vírus, que assim não conseguem infectar as células.
Em conclusão, as nossas vidas dependem de um complexo equilíbrio entre os genes que herdamos e o ambiente a que estamos expostos.
Certas variantes genéticas conferem maior susceptibilidade a doenças, enquanto outras podem proteger contra infecções. Isto não quer dizer que um indivíduo portador de uma ou outra variante esteja condenado a sofrer da doença ou confiar que nunca será infectado. As regras da nossa Saúde são ditadas por um complexo jogo de probabilidades.
GenoMed
O Instituto de Medicina Molecular é um Laboratório Associado localizado no campus da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, com a missão de promover a investigação biomédica. A GenoMed é uma spin-off do Instituto de Medicina Molecular com a missão de promover a transferência de conhecimentos da Biologia e da Genética Molecular para aplicações médicas no diagnóstico e prognóstico de doenças e na monitorização da resposta ao tratamento.
Glossário
O genoma corresponde à totalidade da informação genética que caracteriza um ser vivo e se transmite à sua descendência.
Cada unidade de informação genética denomina-se gene. A base química da informação genética é a molécula de ácido desoxirribonucleico ou ADN.
As diferenças genéticas que se encontram na população normal denominam-se polimorfismos. Ao contrários das mutações patogénicas, muito mais raras, os polimorfismos não são directamente responsáveis por doenças.
Para saber mais consulte os sítios:
http://genome.wellcome.ac.uk/
http://www.sciencemuseum.org.uk/on-line/genes/
Fonte: FARMÁCIA SAÚDE - ANF