Dr. António José Ribeiro
Do grego laparo, abdómen, e scopia, examinar, a cirurgia laparoscópica representa uma nova abordagem minimamente invasiva no tratamento cirúrgico de múltiplas patologias abdominais sob anestesia geral.
A cirurgia laparoscópica ou vídeo-cirurgia, consiste na realização de cirurgias através de pequenos orifícios na pele por onde se introduz uma câmara de vídeo com iluminação por fibra óptica (laparoscópio), ligada a um ou mais monitores de televisão.
Por outros pequenos orifícios na pele, são introduzidos tubos rígidos (trocars) - "portas" em português - que permitem a utilização de instrumentos cirúrgicos para a execução das cirurgias com controlo visual indirecto (através do monitor). O espaço de trabalho é criado com recurso a insuflação da cavidade abdominal com dióxido de carbono (CO2).
Actualmente a laparoscopia é o método de eleição para o tratamento das doenças benignas da vesícula biliar. Na doença oncológica a sua aplicação tem sido mais cautelosa. Foram necessários estudos com recuo suficiente que demonstraram resultados equivalentes aos da cirurgia "aberta".
O tratamento da doença oncológica pressupõe que antes seja feito um correcto estadiamento. Isto é, saber se a doença está localizada ao órgão e aos gânglios que drenam esse órgão, ou se está disseminada por outros órgãos distantes (fígado, peritoneu, pulmão etc.) - metástases.
Esta avaliação é feita habitualmente por TAC ou RMN (ressonância magnética nuclear), mas no caso de metástases no peritoneu (membrana que reveste interiormente as paredes do abdómen e recobre os órgãos nele contidos), não têm grande sensibilidade.
Aqui, a laparoscopia de estadiamento poderá ter um importante papel antes do tratamento definitivo, como no cancro gástrico e cancro do pâncreas, para evitar cirurgias desnecessárias ou para diagnóstico através de biópsia ou citologia de modo a permitir um tratamento mais adequado.
Na cirurgia com intenção curativa
Uma ressecção oncológica pressupõe a remoção completa do tumor e gânglios de drenagem com margens cirúrgicas adequadas. Na cirurgia laparoscópica estes princípios devem ser seguidos escrupulosamente.
A cirurgia colorectal laparoscópica beneficiou de recentes avanços no material disponível não só no que diz respeito às máquinas de sutura automática mas também em relação a material que permite uma dissecção exangue e laqueações vasculares sem recurso a fios e tesouras (dissectores ultrassónicos e tecnologia diatérmica avançada - Ultracision® e LigaSure® respectivamente).
Foram desenvolvidos dispositivos que permitem por uma pequena incisão de 8-10 cm introduzir a mão do cirurgião, sem haver perda de pressão do CO2, para poder facilitar diversos procedimentos.
Frequentemente em vez de utilizar uma técnica exclusivamente laparoscópica, executa-se uma colectomia assistida por laparoscopia, isto é, a colectomia é feita por laparoscopia mas a remoção da peça operatória faz-se por uma pequena incisão abdominal que permite efectuar fora da cavidade abdominal parte ou a totalidade da anastomose intestinal (restabelecimento da continuidade intestinal). A peça operatória é removida com recurso a um saco de plástico apropriado, para evitar o contacto do tumor com a incisão abdominal.
O tratamento laparoscópico do cancro do recto é tecnicamente mais difícil devido ao pequeno espaço de trabalho - a cavidade pélvica - especialmente no homem por ter uma bacia mais estreita, e pela necessidade de identificar e preservar estruturas retroperitoneais tais como os nervos hipogástricos que controlam a função sexual e a urinária.
Das vantagens salienta-se um mais rápido restabelecimento do trânsito intestinal, menos dor, menos complicações e uma alta mais precoce. Como desvantagem sublinha-se a necessidade de mais tempo operatório dependendo sobretudo da experiência do cirurgião. É uma técnica que requer muito treino com uma longa curva de aprendizagem.
"Actualmente a laparoscopia é o método de eleição para o tratamento das doenças benignas da vesícula biliar"
"No tratamento da doença oncológica, este método possibilita a despistagem de metástases no peritoneu, isto é, permite saber se a doença está localizada apenas no órgão e nos gânglios que drenam esse órgão, ou se está disseminada por outros órgãos distantes"
Dr. António José Ribeiro
Secretário-geral da Sociedade Portuguesa de Oncologia
Fonte: Jornal do Centro de Saúde